quarta-feira, dezembro 28, 2005

Licença poética

Até quando?
Até quando vou atravessar os outros como se eu estivesse dentro de um carro olhando a vida correr lá fora e esperando o momento certo de descer? Até quando vou sentir que há um sinal fechado logo ali adiante, justamente em frente àquele lugar onde eu queria dar uma paradinha, e quem sabe ficar um tempo? Até quando vou me cansar de um ano e correr para comprar a agenda do seguinte, tentando recomeçar a viagem que já dura mais de 20 primaveras. Até quando vou fazer questão de me jogar do carro justo nos lugares mais obscuros só para me certificar de que não estou perdendo alguma luz escondidinha e impossível de se ver da homogeneidade retilínea da estrada? Até onde vou ter que ir para encontrar o lugar que estava no cantinho do mapa que rasgou? Até quando vou procurar justamente pelo cantinho rasgado, quando há um mapa enorme indicando novas direções, novas possibilidades? Até quando vou me perguntar “quantos quilômetros faltam?!”? E quantos quilômetros faltam? E aquela sensação de que esqueci de carregar algo para essa viagem? Algo, que não encontrarei em nenhuma parada na beira da estrada, mas que, eu sinto, me fará uma falta enorme! É uma bagagem, uma leitura, um contato, um lugar, uma experiência, uma tentativa, um erro, um desafio, uma bobagem estratégica só para contrastar, só para dispersar... É uma nota, uma melodia, uma história, uma patota, uma farra, “um espinho na mão, um corte no pé”, uma meditação, uma pausa para ir mais longe... Mas onde mesmo?!



"Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente"(Carlos Drummond de Andrade)


Stop!
O carro parou
Ou foi a vida?
**Malu de bicicleta passa bem. Estava um pouco desidratada, chegou a ter algumas alucinações. Imaginem que ela pensou que podia parar o tempo para descansar um pouquinho...

sexta-feira, dezembro 16, 2005

Planície

Morro acima. Morro abaixo. E mais morro, morro. E quase morro de tanto morro.

Assim Malu de bicicleta traduziria seus últimos dias. Longas subidas... Trajetos inclinados, 40, 50°. E o tempo, por aí: 40, 50°... Sede, muita sede. A garganta foi ficando seca, as pontas dos dedos geladas, a visão turva, escura... pow! Desculpem os sonoplastas de plantão, mas essa onomatopéia foi exatamente o tombo. Não o primeiro, apenas um dos muitos. Lá no alto do morro, Malu foi ao chão. Desidratada, torrou sob o sol. O solo recebera seu corpo de forma grosseira, sem a recepção calorosa de um colchão, de uma rede, da areia, da água... Água! Quem dera... O morro se tornou maior, mais alto, parecia alcançar o céu. E por isso faltou pouco para que se assemelhasse com Malu, que quase ia encontrar com o pai sem sequer marcar hora. No alto do morro, ela mirra, morre e ninguém socorre. Triste fim.


Um resquício de consciência e Malu pensa que já havia subido tanto! Já era para ter chegado... Algo estranho acontecia com aquele morro que a cada dez passos se esticava vinte, numa progressão alucinante. Com seu resquício de consciência, já num estado de delírio, aquele chão de terra batida, rachado pelo sol, ficou mais confortável. Uma nuvem cinza e pesada encobriu o sol e fez chover água de banhar e água de beber. Uma brisa um pouco mais atrevida levantou-lhe o vestido que ia até abaixo do joelho. Braços fortes e sadios ergueram seu corpo que parecia ter se separado da alma ao ser suspenso em um único segundo. Daí, mais morro. Morro, morro, morro...

sábado, dezembro 03, 2005

Roda Vida

"Roda mundo, roda-gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração"

Roda Vida (Chico Buarque)


“O tempo rodou num instante nas voltas do meu coração”.

Ela adormeceu um instante e quando voltou nada parava no lugar. A rotação da Terra seguia em passos retardados, débeis como seu sangue... Ela não saiu do lugar em que estava, continuou rodando naquela mesma roda que se soltou da bicicleta, apostando em novos rumos. E, como aquela roda, ela quis também se soltar, deixar seu jeito insosso, ser de carne e osso e rodar... No cotidiano a inércia não admite impulsos e ordena: que tudo permaneça igual, à menos que haja... atrito!

O sangue desacelerou em seu percurso sempre tão frenético, ele sempre tão preocupado em dar tempo, atarefado com a responsabilidade de enxaguar constantemente todo o corpo... Assim foi. Um coração arrebatado permitiu o atraso, ele próprio consentiu em bombear mais devagar... E o sangue deu suas voltas lentamente, retardando todo o resto.


Uma voz ébria aconselhou: “Por hoje deixe rodar, pois amanhã tudo permanecerá como sempre...” Insossamente parado.

No picadeiro, ela foi a atração. Rodou, rodou, se permitiu rodar...

A roda roda,
ela roda
na roda de samba,
o samba roda
ela roda,
bamba, samba...


O improvável é o desconforto, mas é também uma brecha mágica para a fascinante descoberta do inverso, do que é adverso, da falta de verso, de métrica, de rima. Quando a rotação cessa: surpresa! O acaso te surpreendeu mais uma vez.


“Me cobrir de humanidade me fascina...
Perfeição demais
Me agita os instintos
Quem se diz muito perfeito
Na certa encontra um jeito insosso
Pra não ser de carne e osso...” (Mosca - Zélia)


Malu de bicicleta descobriu que tinha as ferramentas guardadas consigo e consertou ela mesma sua bicicleta. De novo em linha reta, busca seguir viagem... O circo ficou para trás, será?!

terça-feira, novembro 15, 2005

Hoje tem palhaçada?! Tem sim sinhô!

Vocês lembram que em “Infinito”, há duas postagens e muitos dias atrás, a roda traseira de Malu estava em um “estado lamentável” ?! Pois então, agora tudo caminha bem ou não caminha... Na verdade, Malu de monocicleta só anda em círculos, tentando desesperadamente chegar a algum lugar. Com uma única roda, o que parecia terminado, apenas mudou de rumo. Malu foi vista em algum lugarejo do planalto central, debaixo de uma lona colorida, fazendo graça para meia dúzia de criancinhas sorridentes e equilibrando-se em uma das rodas de sua bicicleta, a que saiu de seu costumeiro lugar.

É isso mesmo! Malu está trabalhando no Circo. Ela não é o palhaço, mas faz das suas e diverte o grande pequeno público. Às vezes somos público, às vezes a atração. Malu agora é a atração, assim como o incrível homem - gelo, o super mágico de Ozim ou a surpreendente mulher barbada. Neste momento, Malu é quem diverte e distrai uma dúzia (antes era meia, mas o público cresce...) de guris cheirando a leite, cheios de cáries, com deveres de casa por fazer... Dali, alguns vão direto para casa como seus pais ordenaram, outros vão ficar pela rua com seus coleguinhas, enquanto suas mães não saem cheia de rolinhos no cabelo gritando seus nomes: “Henrique João!” Até poderiam ser dois filhos, mas é o famigerado nome composto. Há uma lenda sobre nomes compostos que devo dividir com você... Reza a lenda, que um rei mexicano (licença poético-histórica) tinha dois filhos, Rodolfo e Fernando. Os dois meninos eram a razão de viver daquele monarca, tão preocupado com questões sucessórias que só afligem os ricos muitos ricos, que têm o que deixar para seus herdeiros.

Um dia, o reino foi invadido e sumariamente destruído. Os filhos do rei, dois rapazotes muito bem abençoados, foram levados e feitos escravos. O rei caiu em desgraça. Um reino usurpado e seus herdeiros escravizados. Era muito mais do que ele poderia suportar. Em uma noite, o pobre monarca ex-rico ingeriu um poderoso veneno, dando fim ao seu sofrimento. E os nomes compostos?! Bom, reza a lenda que antigos autores de antigas peças itinerantes, em função da notoriedade desta trágica história e da beleza dos dois irmãos que se perpetuara no imaginário popular, tentavam driblar a feiúra de seus mocinhos atribuindo-lhes os nomes dos jovens príncipes. Portanto, há muito tempo, assim surgiram os Rodolfos Fernandos. O resto ficou por conta da criatividade do povo: José Reinaldo, Armando José, Rodolfo José, João Fernando, Henrique João...

Bom, o caso é que nossa amiga está muito bem e permanecerá se equilibrando em cima daquela única roda que se soltou até que o Circo a leve para outro canto ou que os ventos soprem para outra direção.

Respeitável público, ficamos por aqui!
Abraços!

quarta-feira, novembro 09, 2005

Kataplef!

“Malu andava de bicicleta, linda, leve, solta e segura de que nunca cairia, pelo menos não naquele terreno. Só não se deu conta que o dia escurecia, e que nunca havia pedalado à luz da lua. Num primeiro momento ficou maravilhada com as estrelas, com os sons dos grilos... até que se distraiu e: kataplef!!! Caiu no chão. Não sabia expressar o que sentia no momento, um misto de sentimento de...derrota, medo. O que fazer agora?! Pôs-se então a chorar copiosamente. Até que era belo o seu choro. Com aquilo intentava o impossível: chamar a atenção de um socorro. Pai, mãe, padre, polícia... Sei lá! Alguém viria lhe ajudar, era humilhante ter que levantar do chão machucada e suja. Mas ela não sabia, à noite é diferente. Ela havia fugido de casa, não podia chamar os pais. O padre já havia rezado a última missa. E a polícia... Bem, esta à noite se parece mais com os ladrões. Preferiu, mesmo assim, continuar chorando a se levantar e continuar pedalando e aproveitar o que a noite ainda poderia lhe trazer, de bom ou de ruim... Talvez fosse mais seguro mesmo continuar ali onde sempre esteve...

Malu mal se levanta, e quer voltar para seu ninho de novo...Mas a noite é feita de suor, lágrimas, sorrisos e provocações, muitas provocações..."

quarta-feira, novembro 02, 2005

Chorinho para você musicar

A vida inspira a arte, ou vice-versa?
O sentido requer o hipertexto. Este, ficarei devendo...

Chorinho para você musicar

Te ignoro para não me jogar de novo no teu abraço
Assim eu me defendo do seu pouco caso, do seu descaso.
Te ignoro para não me jogar no teu abraço.
Aberto, mas escasso.
Te ignoro, enquanto não te esqueço,
Porque seu colo é o berço da minha dor.
Ignoro e quando não suporto choro...

Um chorinho descompassado
Como os que você cantou em Santa Tereza
Um chorinho minguado, mal ritmado.
Pois afinal é um choro de tristeza

Só derramo lágrimas.
Não posso derramar qualquer requisição
Por quem nada prometeu.
Eu, "Prometeu acorrentado",
Quero me livrar desse acorde furado,
Desse arremedo de relação.
Antes que venham as despedidas, o espelho quebrado.

[Por isso] Choro um chorinho descompassado
Como aqueles que você cantou em Santa Tereza.
Um chorinho minguado, mal ritmado,
Afinal, é um choro de tristeza.

De repente, a noite virou dia.
Como sempre acontece,
Não mais que de repente, a claridade atravessou a janela.
Meus olhos de ressaca não puderam dissimular.
Me perdi nos seus braços, boemia.
E este poeta chora por não conseguir se encontrar.

Chora um chorinho descompassado
Como os que você cantou em Santa Tereza
Um chorinho minguado, mal ritmado.
Pois, afinal, é um choro de tristeza.

Abandono a métrica, porque não me faz falta
Ela só me atrapalha a inspiração.
Te ignoro para não me jogar nos teus braços, boemia peralta.
Te ignoro e choro, sem métrica nem discrição.

Um chorinho descompassado
Como os que você cantou em Santa Tereza
Um chorinho minguado, mal ritmado.
Pois, afinal, é um choro de tristeza. (MLCM)

E o meu medo maior é o espelho se quebrar...” (“Espelho”, João Nogueira)
para ouvir “Espelho”, digite Espelho no uol Busca, site http://musica.uol.com.br/radiouol e escolha a versão cantada pelo sambista João Nogueira, do CD Uma Noite Com A Raiz Do Samba.

quarta-feira, setembro 14, 2005

Infinito

“Você tem medo de descobrir que você não é apenas esse personagem casto que você criou?”

Malu nunca achou que tivesse vocação para a castidade, pelo contrário.
Mas ao ouvir essa frase sentiu como se as palavras formassem um todo, um sólido, pesado, feito única e exclusivamente para ela. As palavras se uniram, cristalizadas em uma só e esta se repetia em sua cabeça.

As últimas experiências, quase traumáticas, fariam com que Malu se questionasse quanto a alguns “tabus” e aquelas palavras ecoaram em seus ouvidos: “Personagem casto”, “Você tem medo”, “Você não é apenas esse personagem...”

Quem as proferiu não merecia crédito algum. Fora derrotado já no segundo round. Contudo, suas palavras, ditas em pleno ringue - poderia ser um ringue de amor, mas não - soaram estranhas aos seus ouvidos. Claro, que não duvidava de que fizera o certo ao repelir aquele ser asqueroso que avançara em seus cabelos, puxando-a para si como o jogador viciado que sente o cheiro da sorte, aposta e raspa a mesa repleta de moedas na primeira rodada de pôquer. Mal sabe que esta é só para animá-lo a lances mais altos.
Quanto maior o vôo, maior a queda. Novamente volto às expectativas. Ou são elas que se voltam contra mim. “Só não quero que você tenha expectativas”. Como me pedem um absurdo desses?! Como ousam contrariar minha natureza: ansiar, aspirar, ambicionar expectante... Ah! Acabo de lembrar! Ouvi que em todas as línguas a palavra “noite” seria a união de n+oito. Bom, a explicação é interessante e até comporta a mudança do “o” pelo “e”. Afinal, não teria cabimento se chamássemos “noito” a cada vez que o sol brigasse com um lado da terra iluminando só o outro.
Que seja noite (com "e")! Ainda assim, vale a observação: night = n+eight (sem o “e”); noche = n+oche (ou ocho, que seja!). Forcemos a coincidência e eis que a palavra noite se revela como constituída pelo número 8 ou ∞, que significa o infinito. De fato, a noite e o infinito são parentes. Quem já não passou por uma noite interminável? Ou quem nunca olhou para uma noite em especial e pensou que esta bem poderia ser infinita? Noite, oite, oito, infinito, infinoito infinoite. Que viagem! Inspirada pelo significado dos números, talvez depois eu fale do “0” à esquerda.

Bom, quanto à viagem de Malu, um simples pernoite (ou pernoito) causou um rebuliço em sua cabeça. Isso porque as palavras do homem desprezível e repugnante ganharam vida própria e ainda a atormentam. Malu sequer festejou sua nova conquista. Na pressa de despedir-se de sua última parada, confiscou uma bicicleta que mais poderia ser uma ‘monocicleta’, dado o estado lamentável da roda traseira.

Novamente com seus cabelos ao vento, Malu prosseguiu pela estrada. Em seu rastro foram aquelas palavras ditas por um zero à esquerda em um momento que pareceu infinito: “Você tem medo de descobrir que você não é apenas esse personagem casto que você criou?”

terça-feira, agosto 30, 2005

2° ROUND

Malu segurava em suas mãos algo estranho. Peludo, corpo mole... Um bicho?! Talvez... Uma espécie de cola na parte inferior a impedia de soltá-lo. Pensou o que teria acontecido para que aquele homem se afasta-se sem que fosse preciso um grito ou um chute estratégico, nada. Apenas se debatera por alguns instantes. Com as pernas imobilizadas, articulou os braços aleatoriamente até que o homem se afastou, sem que Malu tivesse escutado o juiz determinar o fim da luta. Vitória? De quem?!

Seria apenas uma pausa para o golpe de misericórdia? Seria o momento de pedir clemência? Será possível que o inimigo tenha sido tomado por uma súbita compaixão, como o perseguidor de cristãos da Bíblia que se convertera? “Por que me persegues, Saulo?” Bom, sendo assim, pensou Malu, seu oponente deveria estar cego, como o fariseu, personagem bíblico atingido por uma forte luminosidade. A luz que cega é a mesma que ilustra.

Por vezes quando fecho os olhos tudo fica mais claro. Aliás, ultimamente, quanto mais os mantenho abertos menos enxergo. Já não confio no que eles me dizem. Vejo feições que não consigo interpretar e o mundo se dissimula, me pregando peças a todo instante. Malu, igualmente, recusava-se a abrir os seus olhos, tentando se desvencilhar daquele corpo estranho preso às suas mãos. Em vão. Pela respiração ofegante, teve a sensação de que o adversário apenas se preparava para um novo embate. Engano. Curiosa, arriscou um olhar de relance, temendo o que veria. Atordoada, pensou que havia outro homem além daquele com quem acabara de digladiar. Outro oponente?! Como?! Ergueu-se rapidamente. Teve nojo ao notar o vermelho que estampava a toalha jogada ao seu lado. Ainda assim, cobriu-se.

Sentado sobre os escombros daquela guerra sangrenta, um homem. Um outro homem. Cabisbaixo, humilhado... Não! Era o mesmo homem. A mesma mão ferida, os mesmos cordões pesando no pescoço, a blusa desabotoada, o peito à mostra... Era o mesmo. E estava novamente ferido.

Como explicar que Malu detinha entre seus dedos a força de seu adversário? Como imaginar que a determinação de um sujeito fosse abalada com um simples golpe desferido contra sua vaidade?! O Sansão perdera sua força e virilidade, instantanea e subitamente. Uma Dalila contrariada segurava numa das mãos as falsas mechas.

Quando se deu conta do caráter cômico da situação, Malu teve vontade de rir, mas a prudência lhe soprou ao ouvido que talvez não fosse adequado. E quem escuta essa senhora?! Dona prudência... Estamos sempre a contrariá-la. Pior se torna quando somos tomados pela dúvida que atormenta as almas barrocas, indecisas entre a catarse e a contenção:

“Mas desde o Céu a Santa Inteligência
Com doce inspiração mitiga a chama;
Onde a paixão ceda à prudência,
E a razão pode mais, que a ardente flama:
Em Deus na natureza, e na consciência
Conhece, que quer mal quem assim ama;
E que fora sacrílego episódio
Chamar à culpa amor, não chamar-lhe ódio.” (Caramuru: poema épico, de Santa Rita Durão)

(Mais uma vez destôo. Sugerirei que Malu escolha um(a) narrador(a) com menos pretensões a “eu-lírico”)


Catarse! Uma gargalhada ecoou entre os morros. Como quem desfere seguidos golpes sobre o oponente já derrotado, Malu não se conteve. Enquanto se apressava para abandonar o ringue, tripudiava. Numa das mãos, carregou seu merecido troféu, a peruca. Para trás, deixara um Sansão completamente nocauteado.


Vou fechar meus olhos por algumas horas e esperar que faça-se a luz! (Boa noite!)

segunda-feira, agosto 22, 2005

1° ROUND

Uma tinta vermelha coloria o chão. Na verdade, não era uma tinta. Na verdade, não predominava. Aquele vermelho forte que simboliza paixões, que arrebata multidões, que é pano de fundo de uma luta quase tão antiga quanto o pecado original; aquele mesmo vermelho lambuzava toalha e roupas, mas apenas respingava sobre as folhas secas do outono.

O cenário faria qualquer espectador recém-chegado apostar que houvera um confronto. As tábuas que antes serviam para esconder um corpo ensaboado agora estavam caídas. O banheiro improvisado ruíra. Nenhum grande estrago, se compararmos às quedas históricas (a Bastilha, a Bolsa em 29, o Muro de Berlim...) Assim, a queda de um mísero W.C não é nada se comparada a de um W.T.C.

Nenhum dos dois lutadores saberia naquele momento distinguir por onde escorria o sangue. Estamos naqueles ínfimos segundos entre o corte e a dor. Não tenho experiências com cortes. Até poderia falar sobre uma vez que fui tentar descascar uma laranja e “Ai!” Só uma pontada. Outras tantas, quando faço exame de sangue, o médico nunca encontra minha veia. Uma, duas, três... até cinco tentativas. Só uma espetatinha e depois vejo meu sangue jorrar para dentro do tubo de ensaio. Lindo! Não tenho muitas experiências com dores, não com as físicas. Mais com aquelas que desatinam sem doer.

Cá estou eu novamente me intrometendo em uma história que não é a minha. Assim sendo, não vou tentar descrever o corte, a dor, tampouco o amor. Antes de prosseguir, acabo de lembrar de um filme: “O óleo de Lorenzo”. Os pais de um garotinho lutam para curá-lo de uma grave doença. Daí, quando o filho já está quase inconsciente, a mãe fala algo como: “Lorenzo, fale para o seu dedo mindinho falar para sua mão falar para o cérebro ordenar que ele mexa." Acho que é esse o caminho a ser percorrido - mindinho-mão-cérebro-mindinho. Uma música tocante, minhas lágrimas embaçando a visão, Lorenzo aéreo e de repente... O mindinho mexe! Aleluia! Quase desidrato de tanto chorar.

Bom, assim aconteceu. O dedo falou para a mão para falar para o cérebro... “Ai, sua vadia! Você me cortou!” Ofegante e assustada, a autora da obra estava caída sobre as tábuas daquilo que minutos antes era um banheiro. Levantou a cabeça. Como doía! Doía o corpo inteiro. O homem a olhava, furioso, enquanto tentava estancar o sangue com uma toalha.

Em sua mão esquerda Malu ainda segurava o canivete, mas alguma coisa escapulira da outra mão(!!!). Ao perceber uma certa mudança na feição daquele homem, ela rapidamente se deu conta do que faltava. “Vou gritar!” Ameaçou, mas não gritou. Ficou quietinha, em silêncio. Aos poucos sua respiração foi ficando menos descompassada. Os enormes olhos azuis daquele homem foram ficando maiores e mais azuis, à medida que iam se aproximando...

segunda-feira, agosto 15, 2005

Estado onírico

Há quanto tempo seus pés não recebiam uma boa esfregada! Amassados dentro do tênis ou esparramados na sandália, os dedos acumulavam aquela sujeira preta que se acomoda dentro das unhas. A escova estava escura e a água que escorria formando um pequeno lamaçal em volta do banheiro improvisado era da mesma tonalidade.
Malu soltou os cabelos - já na hora de aparar - e aos poucos, bem aos poucos já que o chuveiro retardava o processo, ela foi sentindo o cabelo sendo encharcado.Gélida, a água parecia penetrar em sua cabeça, esfriando seu cérebro, tranqüilizando-a até se sentir alcançar uma outra dimensão, aquela para onde vão os contemplados que conseguem superar anseios e frustrações; ela viajou. Pensou nos próximos lugares que conheceria, pensou em tudo que havia passado, lembrou de sua bicicleta, mas não lamentou, não se inquietou, apenas percorria serena pelos limiares da consciência. Chegava a cantarolar... Era uma melodia que em nada combinava com o lugar, denunciando seu distanciamento.
De repente, um barulho a despertou de seu estado quase onírico. Aliás, sei que a história não é minha e que sou uma mera narradora, mas me veio uma idéia, que preciso expor. Seria a palavra “onírico” da mesma família que “ônus”? Já imagino a professora de latim: “Onírico vem do latim: “ônus”, que significa “aquilo que resulta em perda”.” (Reviravolta na academia! E no Olimpo!) Ainda que pareça uma conjectura absurda, chego a pensar que há um certo sentido. Vejam: quando sonhamos nos tornamos mais vulneráveis, não? E assim mais propícios para cairmos no conto de um vigário mal intencionado. As expectativas ou projeções, disse-me certa vez um amigo, são armadilhas, nas quais só caem os apaixonados e os estatísticos.

Voltando à história... Malu reconhecera aquele chacoalhar. E este se aproximava cada vez mais. Em tempo, o canivete estava na mão esquerda. A direita garantia que a toalha permanece enrolada ao corpo, desnudo e molhado. Enfim, o presente de seu pai serviria para algo além de descascar frutas.

Devo confessar que essa história de onírico me deixou com sono. Vou dormir um pouco. Mas tomarei o devido cuidado para não sonhar. (Como se pudéssemos evitar...)

sábado, agosto 13, 2005

Hora do banho...

O copo estava sujo. No leite boiava a nata. Malu detesta nata. Imaginou que, se pedisse para a moça coar, os olhos daqueles senhores se convergiriam em sua direção. Não era o lugar próprio para frescuras desse tipo. Tentou beber se esquivando da nata. Quanto ao misto, já fora quente um dia.

Enquanto ela comia, notou que o sujeito do cigarro não desviava os olhos. Se esforçou para ignorá-lo, mas isso parece extremamente difícil quando nos forçamos a fazê-lo. É como numa festa, onde tentamos ao máximo não olhar na direção daquele certo rapaz. Contudo, parece que o canto do olho age involuntariamente nessas ocasiões. Bom, neste caso, Malu não desejava que aquele sujeito a abordasse e o canto de seu olho parecia agir guiado por um instinto de sobrevivência. A cada movimento denunciado pelo barulho das correntes, Malu estremecia, temendo que ele se aproximasse. Não se aproximou. Não naquele momento.

Terminando de degustar o banquete, ela procurou se informar sobre a possibilidade de encontrar um cantinho para se recostar até o amanhecer. Não haveria outro jeito.

A alguns metros dali encontrou uma meia dúzia de casas. Famílias construíram seus barracos na beira da estrada. Um dia ainda serão despejadas por alguém que chegará dizendo que quer desenvolver a região pá ta ti, pá ta ta... E vai ser patada para todo lado se alguém ousar dizer que não sai.

Malu dormiu numa casa de família. Uma grande família. Pessoas simples, mas bastante atenciosas. Num mesmo cômodo dormiam pai, mãe e cinco filhos. Como sempre cabe espaço para mais um ou mais uma... Coluna castigada e a viajante se esticou num cantinho apertado da casa, quase junto da porta que dava para a varanda. Mais um pouco dormiria ao relento.

Já caía tranqüila nos braços de Morfeu quando nossa amiga foi acordada por um choro. Um choro miúdo, fraquinho, como se fosse abafado pelas mãos de um sujeito asqueroso que no meio da noite procura um corpo novo, rosadinho e... “Sai de cima dela, seu porco imundo!”, quase gritou. Antes que o fizesse, Malu viu que era a mais velha das filhas e, na verdade, não era propriamente um choro. Não era dor, concluiu. Deixou os dois sozinhos.

De seu colchão, próximo à porta, viu um senhor sair ajeitando as calças. O barulho das correntes não deixou dúvidas. Ao amanhecer, a filha mais velha foi a primeira a se levantar. Só faltava o véu para coroar tanta candura. Embora a menina não aparentasse, já passava dos vinte. Nesses lugares apegados aos costumes mais antigos, pensou Malu, já ficava para titia. Por aquelas bandas casava-se cedo. Foi assim que uma após a outra as casas foram sendo construídas. Quem casa, quer casa. Ainda mais embuchada. Uma roça na frente, umas galinhas no fundo e por pouco não se passava fome.

Malu juntou suas coisas e foi tomar banho. O banheiro ficava um pouco acima do nível das casas, ao pé do morro. Era nojento. Em um buraco todos faziam as necessidades e aquela visitante chegou a pensar que talvez os dejetos carregados pela água das chuvas poderiam chegar até as roças. Por via das dúvidas, não ficaria para o almoço. Foi difícil se concentrar na posição em que se encontrava. Puxou a calça até os joelhos para evitar que entrasse em contato com a terra. Tudo fedia terrivelmente. Malu se agachou e... Bom, detalhes podem até serem bons para reforçar a veracidade dos fatos, mas há um limite.

Por trás de algumas tábuas de madeira estava escondido um corpo desnudo, que após dias finalmente se banhava com a água que caia timidamente de um chuveiro improvisado, assim como todo o resto. Malu teve a impressão de que alguém a vigiava. Talvez fosse só impressão, mas por via das dúvidas tratou de se apressar.

sexta-feira, agosto 12, 2005

Lá vem ela de novo...

Ela sumiu. Deixou de se comunicar. Precisava de um tempo para definir novos rumos. Daí que desde a última vez que ouvimos falar da moça, muita coisa aconteceu. Muita água rolou debaixo da ponte. E quem tem tiver fôlego que acompanhe...

O trem pára. Malu desce. Passara algumas horas vendo mato, mato e mais mato. Pensou "como é impressionante haver disputa por terra num país tão grande, com tanta terra vazia... Colocam uns bois e pronto! A terra é produtiva!"

Quando o trem parou, ela saltou. Não avistava viva alma. Só uns bois magros morro acima. Aliás, morro era o que não faltava. Não saberia descrever a vegetação, mas pensou que já não estava no Estado do Rio de Janeiro. Minas, talvez... Se ao menos encontrasse alguém que falasse “uai” ou “trem bão” - estereótipos - ela se certificaria. Se ao menos sentisse um cheirinho de pão de queijo, tutu à mineira... Humm! O estômago reclamava.

Ela caminhou até a estrada a alguns metros do trilho. Nada. Nem viva alma. Pensou que talvez fosse perigoso pegar carona com um estranho... E que outra alternativa, ora?! Para alguém que decide sair mundo afora pedalando não deveria haver tempo ruim. Acontece que ter perdido a bicicleta deixara nossa amiga viajante e desbravadora subitamente um tanto cautelosa. Não o suficiente.

Passou um caminhão e ela fez sinal. Antes da carona, veio a pergunta sem resposta: “Para onde a menina quer ir?” Qualquer lugar, ela diria. Muito vago... “Só até a próxima cidade ou o próximo posto.” Nem mais uma palavra pelos próximos quarenta minutos.

Malu dormia, quando sentiu uma mão em seu rosto. Mão áspera... Era o motorista. “Chegamos, menina”. Rapidamente, ela se ajeitou, pegou suas coisa e desceu do caminhão. “Fico por aqui mesmo, obrigada!” Descera em um lugar um tanto impróprio. Logo deu de cara com um estranho sujeito. Não tanto pelo chapéu preto ou pelos óculos escuros e grandes, pelas correntes douradas que pareciam pesar em seu pescoço ou pela calça sambando nos quadris. Não tanto pelo modo como fumava seu cigarro, levando-o à boca, tragando e soltando a fumaça, como se gozasse a cada baforada no vazio. Não era nada disso. Era o conjunto. O lugar, o contexto. O clima frio, a noite que ameaçava cair, um cachorro cheio de feridas purulentas que se esgueirava ao redor da lixeira disputando com um moleque qualquer resto de comida, a luz amarela e fraca, alguns poucos caminhoneiros que devoravam a bóia quase como animais...

Malu pôs a mochila nas costas e caminhou em passou lentos, como quem se sente espreitado. Foi até o balcão e pediu: “Leite quente e um misto, por favor”. Um pequeno banquete para seu estomago faminto.

Bom, desculpem se a opção pelos detalhes torna a narrativa lenta. Simplesmente, quero ser fiel aos fatos.
Uma pausa para o café. Também tenho fome. Já continuo...

sexta-feira, junho 24, 2005

Posto que...

Quem pensou que Malu de bicicleta desistiria de sua aventura por causa do sumiço de sua companheira estava muito enganado.
Não teria como ela parar seu passeio perdida em um posto qualquer, na beira de uma estrada qualquer.
Malu continua decidida a encontrar sua bicicleta. E vai fazer dessa procura um motivo à mais para dar prosseguimento a sua viagem sem destino.
É verdade que não irá pedalando, mas vai e vai longe. Saiu do posto disposta e aposta que sua bicicleta vai conseguir encontrá-la, vai farejá-la, como um cão fiel que busca seu dono.
Cansada de esperar o tempo passar, Malu, sem bicicleta, foi levada por um estranho impulso.
Estava sentada na linha do trem vendo o horizonte borrado pelo vermelho alaranjado do pôr - do - sol, quando foi surpreendida por um barulho...
Era aquele barulho do tempo passado, de ferro envelhecido, de máquina gasta, desgastada, posta em movimento...
Ela rapidamente tratou de abrir espaço para o trem passar, como quem se afasta dando lugar para um velho senhor; pesado, lento, gordo, mas ainda rabugento.
E ele passou. Com seus vagões enfileirados, seguia seu rumo sobre o trilho e teria prosseguido ileso, não fosse Malu sem bicicleta ter avistado uma roda.
Era ela! Malu não sabia como sua bicicleta tinha ido parar ali, mas era ela, com certeza! Malu correu atrás dela, que se afastava dentro do último dos vagões, entreaberto e com algumas poucas sacas.
Simplesmente, correu. Correu contra o vento, à favor do futuro. E conseguiu subir naquele velho senhor que passava lentamente, mas soberano.
Malu caiu sem ar sobre as sacas abarrotadas e rapidamente olhou para o lado a fim de certificar-se de que ela estava novamente ao seu lado.
Viu o que vira antes. Uma roda. Somente uma roda. Até poderia ser de sua companheira, e isso a faria muitíssimo feliz, mas não era. Definitivamente, não era.
Malu pensou em pular do trem. Mas não tinha forças, faltava-lhe a obediência das pernas, assim como faltava-lhe o ar. E lá foi Malu. Sem bicicleta, só Deus sabe pra onde...

segunda-feira, junho 13, 2005

MALU SEM BICICLETA...

Malu está sem bicicleta...Desolada!

Foi em um posto, na beira da estrada.
Ninguém viu, ninguém sabe de nada. "Foi muito rápido", disseram os presentes.
Muito de repente.
O sentido? Nem idéia... Não fizeram alarde, nem deixaram pistas. Tentaram procurar. Em vão! Já era tarde... Nenhum rastro, nada à vista.
E como caminhar sem o caminho?!
Malu sem bicicleta perdeu o impulso. É folha ao vento, ovelha desgarrada, papel avulso, trem sem trilho, sozinha, ilha, "inho"...


Sem bicicleta não há cabelos esvoaçantes, não há viagem, nem viajante, não há estrada percorrida, não há idas, nem vindas.

Ela espera. Quem sabe sua bicicleta apareça... Antes disso, não arreda o pé! Implora que o indivíduo que a surrupiou, por favor, se compadeça.

Nem precisa se desculpar. É só deixá-la paradinha, fazendo força sobre o descanso. Não precisa fazer barulho, nem chamar atenção...

Malu espera e não se desespera.

Próximo à estrada, passa um velho trilho e a cada 12 horas passa um trem, fazendo algazarra, marcando a hora. Marca o tempo, que não passa, que insiste em permanecer lento...

Tivesse duas rodas sobre os pés, iria ligeiro, sem vacilar. Correria como a bicicleta que Malu insiste em esperar.

terça-feira, junho 07, 2005

O SOL NASCE PARA (QUASE) TODOS


desenho de Álvaro Lucas

Na última vez que soubemos de algo sobre nossa ciclista, ela estava perdida.

Gripada e enfraquecida pelo cansaço, Malu foi acolhida por uma pequena comunidade, escondida em meio à natureza. Então, Malu de bicicleta sentiu que precisava estacionar sua parceira por alguns dias. E assim o fez.

Vivendo num outro ritmo, longe do barulho invasivo das buzinas e dos sinais fechados, Malu conheceu algumas pessoas, fez amizades e já deixou saudades... Mas também carrega na bagagem muitas lembranças; e o desenho de um amigo afeito à arte de retratar a vida com um pouco de cor.

Difícil, para quem depende do colorido que, curiosamente, chega de vez em quando na forma de lápis, vindos de alguma cinzenta cidade.


Engraçado, pois, junto a uma comunidade tão cheia de carências, Malu de bicicleta supriu as suas próprias; ensinando e aprendendo, ouvindo antigas histórias, trocando experiências...

O sol raiou...

E esquentou aqueles dias frios que Malu e sua bicicleta enfrentaram.

"Bom para pedalar!", ela deve ter pensado... Foi embora.

Sem tristes despedidas. Em cima da cama de palha, improvisada para uma inusitada visita, Malu de bicicleta deixaria um bilhete, se soubesse o que escrever.

Deixou seu lenço de estimação. Não teria muita utilidade. Nem era para ter.

quarta-feira, junho 01, 2005

Malu e bicicleta...

Antes de se perder...

Malu enviou uma foto de sua viagem. Pena que saiu um pouco fora de foco...

segunda-feira, maio 30, 2005

MALU SE PERDEU!!!

Ela tentou pegar um atalho e acabou se perdendo. Depois, parece que o pneu de sua bicicleta furou.

Malu teve que andar alguns quilômetros empurrando sua fiel companheira até chegar ao posto mais próximo.

Malu ficou meio gripada depois de varar ao relento, exposta ao sereno e ao vento . Está tentando arrumar um lugar mais quentinho e aconchegante para o bem de sua saúde.

Mas nada disso é problema para quem facilmente, não mais que de repente, muda de cor ...

Camaleão

Apto
Capto
Adapto
Flor, espinho
Asas, ninho
Céu, terra
Fogo, cinza, fênix
Vinho, vinagre, vinho
Tempestade, bonança
Esperança
Túnel, luz

Eu sozinho
Eu apto, capto, adapto

Eu caminho...


(MLCM)

** Malu de bicicleta sente que precisa de apoio para continuar sua viagem. Àqueles que desejarem mandar mensagens de força e perseverança escrevam para maluebicicleta@yahoo.com.br

quinta-feira, maio 26, 2005

No ponto de ônibus

A chuva. Um fenômeno interessante, mas até na música transparece seu caráter incômodo:

“Gotas de água da chuva, tão tristes, são lágrimas na inundação /Águas que movem moinhos são as mesmas águas que encharcam o chão / E sempre voltam humildes pro fundo da terra, pro fundo da terra / Terra, planeta água”

Malu, que sempre gostou de imaginar a água “voltando humilde pro fundo da terra”, vê nesta cidade impermeavelmente asfaltada em que vive, a água ter seu percurso um pouco desviado; o que a obriga a também desviar o seu.

Eis que ela saiu pedalando, andou pelo quarteirão, virou na primeira à esquerda, seguiu em frente, parou no sinal. Pingo. Abriu o sinal e Malu continuou. Foi pedalando, disputando espaço com os carros, cabelos ao vento e... Outro pingo.

Depois três, quatro, cinco... Incontáveis pingos.


Agora, Malu está ‘ilhada’. Viagem interrompida. Ela e sua bicicleta esperam a chuva parar, abrigadas sob uma marquise, num ponto de ônibus desses que tem um banquinho para quem espera por um número, um nome, um destino. Dessa espera a imaginação e as palavras vão brotando...

Ponto de ônibus

Vamos colocar os pontos nos “is”!
Insípida água que tudo molha,
Vá insistir sobre outra pedra
Sua moleza não me demove
Sua persistência não me comove.

Água inodora,
Não me interessa de que fonte saiu
Pouco sei como aqui chegou
Mas peço que já vá embora

Saia por onde entrou

Vá pingar em outra freguesia
Vá erodir outra superfície
Se não se importa, cheguei primeiro

Janeiro já passou
Já fechaste o verão
Trate de evadir-se
Procure outra diversão

Não fosse sua presença irritante
Este jovem ao meu lado
Me passaria um galanteio
Me pagaria um sorvete
Me chamaria para um passeio

Mas ninguém fica à rua
Se o clima está feio
Porque ser muro
Quando podes ser esteio?

Estou neste ponto
Esperando você passar
Mas se passar do ponto
Não haverá jovem
Não haverá galanteio,
Sorvete, esteio
Nem história para contar.

sábado, maio 21, 2005

Um papel na soleira...

Malu já estava em sua bicicleta pronta para sair, quando se surpreendeu com um papel amassado, que o vento trouxe até a soleira de sua porta. Malu pede licença ao poeta (ou à poetiza):

Pedra Bonita

Um momento, uma boa amizade
Um passado que está na esquina
Esperando o sinal abrir
Chuva no feriado
Pão dormido que vira torrada
Tudo é experiência

Dia da árvore, dia do índio
Fantasia ridícula
Mamãe emocionada
Meia suja depois da escola
Pé - de – moleque jogando bola
Sujando a roupa da vovó
O tênis que não dá nó
Falta aprender...
Tudo é experiência

Maria – mole que chora
Por qualquer coisa se derrete
Sorvete de flocos na manga da camisa
Manga do pé na fazenda do tio Zé
Febre, carinho da família
Almoço de domingo
Pai, Mãe, filho, filhas, cachorro, gato, papagaio
Tia, tio, vizinho, lacaio...
Tudo é experiência

Tudo cresce, tudo muda
A muda floresce em outro jardim.
Ganha voz, vida, aprende a falar
Vindas e idas
A barba cresceu
Tia Aida se separou
Maninha ganhou nenê
Prima Juditi se perdeu
O espelho encurtou
Pequeno demais para tanta voracidade
Os pés pra fora da cama
A mãe chama, reclama
O filho já mudou de cidade
Tudo é experiência


(MLCM)

quinta-feira, maio 19, 2005

Malu online


Um espaço no mundo. Isso é o que todos querem. Alguns não se bastam em seus territórios; desejam expandir horizontes e fronteiras.

Malu é assim.

Malu não consegue ficar parada. Agora mesmo resolveu que precisa ocupar novos espaços, conquistar outros domínios.

Malu pede licença para passar.

Mas, cuidado! Ela está de bicicleta. Sem freios, sem lenço nem documento.