domingo, janeiro 16, 2011

A margarida...


Amarga ida*

Pintei essa margarida, minha margarida, pensando em muitas coisas... coisas pessoais, algumas íntimas demais para esta espécie de diário virtual em que este blog se converteu, como tantos outros. Em meio ao azul, provocada pela constante atualização quanto aos números da substantiva tragédia, meu pensamento foi levado à montante... Logo um contraste se fez presente. Faltaria um muito de marrom nesta tela, caso fosse um retrato fiel. Mas não quis ser fiel à nada, especialmente não à realidade. Esta senhora tão dura, tão difícil de encarar nos olhos, tão surpreendente... Ou tão previsível? Minha pintura, por limitações técnicas, comporta apenas 1D. Ao contrário das modernosas telas de cinema, uma dimensão me basta neste momento. A dimensão da arte, aquela que torna possível as abstrações, quando estas, por sua vez, representam o caminho menos doloroso e mais palpável para assimilar a realidade. Compreender aquilo que desmorona, o que é desconstruído, o que de uma hora pra outra, simplesmente, deixa de ser. Aquilo que, apesar das dúvidas, espera para re-ser, re-nascer. Pensando nisso tudo e com tantas outras abstrações em mente, a margarida ganhou espaço na cartolina, com as cores insistentes da possibilidade misturadas às tonalidades múltiplas do porvir.       

* Este jogo de palavras devo ao professor Gisálio Cerqueira Filho.  




Uma flor nasceu na rua!

Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.

Uma flor ainda desbotada

ilude a polícia, rompe o asfalto.

Façam completo silêncio, paralisem os negócios,

garanto que uma flor nasceu.



Sua cor não se percebe.

Suas pétalas não se abrem.

Seu nome não está nos livros.

É feia. Mas é realmente uma flor.



Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde

e lentamente passo a mão nessa forma insegura.

Do lado das montanhas, nuvens macias avolumam-se.

Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.

É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.


A flor e a náusea - Carlos Drummond de Andrade