quarta-feira, março 31, 2010

De novo Mandela...

"True reconciliation does not consist in merely
forgetting the past."

Um amigo me contou como foi interessante ver o paradoxo de o herói do faroeste americano dirigir um filme com trechos tão delicados e sensíveis, e ainda sobre um homem que inspira sentimentos de superação e conciliação. Compreendi o que ele quis dizer ao ver Invictus, de Clint Eastwood. Não falo da superação que ignora as desigualdades inerentes à lógica que se sobrepõe. E tampouco da conciliação "pelo alto", que sobrepõe sua lógica perversa de esquecimento e silêncio... (Vide o pouco lembrado, quase ignorado, aniversário do golpe de 31 de março 1964; ou seria 1º de abril?)

Já falei aqui sobre Nelson Mandela. Agora volto ao seu nome, mas com a desculpa de comentar o filme Invictus que vi há pouco. Não chega a ser uma coincidência que um momento de profunda melancolia tenha antecedido meus dois recentes 'contatos' com Mandiba* - através do documentário e da ficção. Não é casual que ambos tenham resultado, em momentos distintos, num sentimento de gostoso fortalecimento. Para usar uma palavra chave do filme, chego a sentir essa inspiração chegando perto...

Se uma informação qualquer exige que emissor e receptor sejam atuantes para fluir, eu fiz a minha parte. Estava receptiva à mensagem. Mesmo com os clichês de uma produção hollywoodiana, com suas mensagens de superação, união, patriotismo... E isso não necessariamente possui um caráter negativo, embora sejam bastante incômodos aqueles famosos discursos pré-batalha, do "nós" versus o "outro", onde a vitória de um (o bem) significa necessariamente a derrota do outro (o mal). Eis que multiplicam-se no cinema verdadeiras cruzadas. Aliás, essa divagação me lembra que preciso ver Guerra ao terror. Soube que a tradução do título é pra lá de infeliz!

No filme de Eastwood, por sua vez, a história fez prevalecer uma ampliação do "nós" com a incorporação, ainda que gradual, do "outro". É, nesse sentido, até interessante observar as cenas finais exploradas em câmera lenta, onde jogadores adversários formam um conjunto aparentemente uno, indiviso. Na tela vemos a delicadeza improvável de um balet "tribal" entre adversários e companheiros sobrepostos, imprensados uns contra os outros.

Além disso, Morgan Freeman (free man... vem a calhar!) me convenceu e cativou como Mandela.
Enfim, gostei! Vi com a emoção de hoje e ela, quem sabe, ajudou a acrescentar o que Eastwood, talvez, não conseguiu.
***
*Nelson Mandela no filme é chamado por diferentes nomes...Entre os quais estão Tata Mandiba Mandela. Os dois primeiros possuem cada um significados importantes dentro da cultura sul-africana:
Tata - pai
Mandiba - Esse nome é muito mais importante que um sobrenome, já que se refere ao ancestral de quem a pessoa descende. Mandiba era o nome de um chefe Thembu que liderou em Transkei no século 18. Considera-se bastante cortez chamar alguém pelo nome de seu clã.
***

William Ernest Henley (Invictus)
Out of the night that covers me,
Black as the Pit from pole to pole,
I thank whatever gods may be
For my unconquerable soul.

In the fell clutch of circumstance
I have not winced nor cried aloud.
Under the bludgeonings of chance
My head is bloody, but unbowed.

Beyond this place of wrath and tears
Looms but the Horror of the shade,
And yet the menace of the years
Finds, and shall find, me unafraid.

It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll,
I am the master of my fate:
I am the captain of my soul.

segunda-feira, março 15, 2010

Apresentando um poeta...

Há algum tempo estou querendo apresentar o livro (acima) do historiador, poeta, músico e amigo Guilherme Gonçalves. Até para mim, que conheço o autor desde que cursamos História no delicioso campus da UniRio, na Urca, foi uma grata surpresa abrir O peso da pena e as primeiras alegorias. Nos detalhes, Guilherme nos leva a viajar pelo mundo das suas profundas e deliciosas reflexões... Suas primeiras alegorias tem variadas trilhas sonoras: desde o poema Eu e ele - escrito ao som de Radiohead -, até Shiva, acompanhado pela Bachiana brasileira nº5 (Ária Cantilena). Em Contrações, ao som de Björk, a forma do poema incorpora a imagem do título; um vai e vem de metáforas àsperas e singelas.

Política, amor, sexo, paixão, alienação, História, golpes e revoluções, dor e êxtase: tudo é matéria prima.


"...o mundo
se abre com pernas de Afrodite
exalando odores íntimos
e pare, o amanhã descolando seus pulmões
espumando azul, meu coração não suporta
ouvir seu choro, lindo, lindo, como sempre soube"

(...)

"sinto-o chutar meu ventre seco
liquefazendo-me, em contrações
a viver o corpo entrevado que se agita"

Projeto 2009: o livro
A ideia, o conteúdo, a forma; tudo ganhou a marca da sensibilidade desse outro Gonçalves que, além de autor, assina o projeto editorial. Não sei ao certo quanto tempo demorou para a conclusão d'O peso da pena, mas sei que a concepção foi pra lá de demorada. Há um bom tempo escuto-o falando sobre o rebento que um dia viria ao mundo como produção independente. O projeto, concluído com a impressão de algumas dezenas de exemplares, dá agora lugar a outro: divulgar ainda mais suas alegorias. Quem sabe alguma editora não se habilita e dá uma forcinha?!

Produção independente

Ao contrário das concepções in vitro, a de Guilherme ocorrera 'na expansão do universo.' Suas intensas palavras versam sobre as coisas gigantes: "A saga do poeta é aspirar ao total, e diante do total, há muito pouco a ser dito". Talvez por isso, numa dialética bem armada, Guilherme acabe se dedicado a "capturar a fração, o instante preciso de sua revelação". A erudição do autor é somada à sua capacidade de sentir e de deixar-se afetar pela grandeza das coisas prosaicas, bem como pelo cotidiano das grandes experiências e potenciais transformações.

"Pois a tarefa de gentilizar o homem é a pena mais pesada
e a pena, não esqueçamos, por mais longa e pesarosa,
é também a memória da asa".


Com esse livro, por fim, Guilherme nos mostra uma forma muito boa de driblar "o peso da pena". Talvez deixando jorrar toda sua tinta sobre um papel, dando a ela o formato de belas poesias.





contato com o autor: guilherme_sazonal@hotmail.com

sexta-feira, março 12, 2010

Epígrafe para ditadura militar...

“Se havia alguém inofensivo naquele tempo,
era o envelhecido e desiludido Coronel
Aurélio Buendía, que pouco a pouco foi perdendo
todo o contato o contato com a realidade da nação.”

(...)
“Não fale de política", dizia o coronel.
“O que nos interessa é vender peixinhos”
(Cem anos de Solidão – Gabriel García Márquez)

terça-feira, março 02, 2010

Julie Delpy - A Waltz for a Night - Before Sunrise





Com esse filme aprendi que os finais de filme não precisavam ser 'mastigados'. Mas isso não me impede de desejar, ainda, que houvesse uma continuação...

- Baby, você vai perder seu voo. - Eu sei.


segunda-feira, março 01, 2010

Ambiguidade beauvoiriana

"Diálogo recente"

Por Email...

- Pensei agora: acho que tenho um pouco da ambiguidade beauvoiriana... A diferença é que nunca disse, nem publiquei livros dando a entender que eu era outra, diferente rsrs. Mas verdade seja dita: ninguém pode ser culpado por não ser uma coisa só.

Resposta...

- Acho que ninguém é uma coisa só... E, principalmente, que a ambiguidade sempre faz arte das pessoas. Às vezes ser mais sincero consigo mesmo pressupõe ser ambíguo*. E talvez tenha sido aí que a Simone (íntimas!) tenha, a meu ver, vacilado. Por que ela não admitia que pagava pau pro baixinho gordinho e zarolha, pô??!! Não, tinha que bancar a durona, a poderosa... Ela teve sua relevância, claro, não penso diferente disso não. Mas acho que, no final das contas, ela acabava se igualando às mulheres quadradonas das quais ela tentava se diferenciar.
*Adorei essa frase!