sábado, fevereiro 27, 2010

Por falar em liberdade...

Mandela: em nome da liberdade

Acabo de ver o documentário sobre a vida desse homem. Um homem apenas. Ele mesmo faz questão de desmistificar sua imagem: "Não sou um santo". Então estas palavras não são sobre santidade, perfeição, modelo ou paradigma. Mas sobre exemplo, um dos muitos, sobre experiências... O documentário é sobre um homem que passou 27 anos na prisão, que foi vítima da política racista do apartheid, e que, valorizando a educação, usou essa arma contra seus opressores, tornando-se o primeiro presidente de uma África do Sul mais igualitária, posta no caminho da reconciliação nacional, da paz interracial. Esse caminho, acabo de ver, não foi um caminho de esquecimento. O passado não precisava ser esquecido, mas precisava ser tornado passado, para nunca mais voltar a ser repetida a opressão entre seres humanos diferenciados pela cor da pele. No final de uma Copa Mundial de Rúgbi, Nelson Mandela vestiu o uniforme da seleção nacional, embora aquele fosse um esporte identificado com o branco, o opressor, o "outro".

Mandela convenceu seus companheiros de luta a aprenderem o idioma do inimigo, o "africâner" - língua do ramo germânico do grupo indo-europeu falada na África do Sul e na Namíbia. Negociou sua verdade no idioma de seu opressor.

Cenas da Truth and Reconciliation Comission me comoveram até as lágrimas. Consistia, entre outras coisas, no diálogo aberto de torturados diante de seus torturadores. Um diálogo sem limites, às claras. A descrição das torturas pelos seus sobreviventes foi feita perante os algozes ou perante aqueles que, por omissão, permitiram que ela ocorresse. Só uma democracia forte resiste às verdades. Ou melhor: uma democracia para tornar-se mais fortalecida exige verdade, transparência. E essa oportunidade foi dada ao país durante aquela transição democrática. A reconciliação não pressupôs empurrar a poeira por debaixo do tapete. Isso porque nenhuma história de silenciamento escapa do "retorno do oprimido", seja ele como for - pela violência declarada ou pelos sintomas de que a violência se fantasia. A história de Mandela, as imagens desse documentário, o ritmo africano - que, aliás, sempre exerceram uma espécie de encantamento sobre mim -; enfim, toda essa carga de emoção desviaram minha rota nesse dia. E quem pode prever o que provocará uma reação dessas? Eu não pude, mas fico satisfeita com o efeito provocado. Questões que me mobilizam atualmente, na forma de reflexões teóricas a serem postas no papel, ganharam esse reforço. A habilidade do negociador Nelson Mandela, sua característica de se opor sob uma tranquilidade invejável, sua postura de homem íntegro, cuja paciência se revestira de persistência.

Herói? Mito? Rótulos apenas, como tantos outros. Apontado no documentário como homem midiático e hábil na arte de comunicar-se, além de sobreviver à prisão, Nelson Mandela sobreviveu aos rótulos.

***

Estas são palavras imbuídas da emoção, da motivação pela estética do documentário. Um amigo outro dia quis contrapor sua própria "ciência" ao meu "tendencioso" encantamento pelas manifestações estéticas. E não é a estética algo político? Que poder tem os cantos africanos entoados pelas vozes femininas em pleno Congresso quando Mandela anuncia seu afastamento da vida política, abdicando de concorrer a um segundo mandato! "Nelson Mandela, Mandela, Mandela", canta a mulher seguida pelos demais presentes. Um outro colega me disse: "Essas são histórias de outra geração, outro tempo, outros valores". Com a afirmação parecia tentar convencer-me de uma defasagem. Não penso assim.

No meio do documentário, lembrei que a Copa deste ano será justamente lá, na África do Sul. Que outra desculpa melhor para nossas professoras daqui levarem para as salas de aula um pouco dessa história? Não como algo do passado, não com o tom saudosista de uma época heróica. Não é disso que se trata. Mas de uma experiência rica em elementos passíveis de comparação (contrastes?) com a nossa própria história. Se o desafio está em atrair a atenção dos mais jovens, em falar numa frequência que os estimule no sentido da valorização do conhecimento, da educação em sentido geral, haverá "gancho" melhor neste ano?!



“Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”. (John Donne)

"Amandla!"


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