terça-feira, janeiro 29, 2008

Do tamanho de uma cereja

“O diabo não é diabo porque é vermelho, mas porque é velho”. Foi com uma frase mais ou menos assim que o cirurgião de cabeça e pescoço – especialidade que minha mãe repete como se assim minimizasse suas angústias pelo caroço aqui no meu centro de controle – me corrigiu, sugerindo que eu não subestimasse os conhecimentos maternos oriundos de experiências sacudidas em um saquinho como moedas preciosas. Minha herança. Pois um dia, talvez, eu faça uso delas e troque por um bilhete para a terra das conquistas pré-concebidas. Esse destino imaginário não é casual.

Tem a ver com o filme que vi agora pouco e ainda com alguns pensamentos que vieram me atrapalhar o sono nesta última noite. Não são muito novos esses meus lamentos pós-aniversário ao fim de janeiro. Acho que por isso deixei de curtir alguns bons carnavais. Já quando avançava pela adolescência ficava pensando se os colegas da minha nova turminha seriam os mesmos que os do ano anterior. Alguém novo perturbaria o equilíbrio alcançado a duras penas entre a patota? Torcia para que as mudanças não fossem drásticas e chegava a ter pesadelos com o primeiro dia de aula.


Cena 1 – Sala de aula – manhã - Volta às aulas

Ela entra na sala e não reconhece ninguém. A câmera vai passando por cada um dos novos amigos (?) ou potenciais inimigos que cochicham entre si sem muito cuidado em disfarçar que ela é o alvo dos comentários irônicos e curiosos.


Isso nunca aconteceu. Sempre que eu chegava na sala meus coleguinhas estavam lá, alguns saudosos, outros nem tanto. Quando notava presenças estranhas entre os meus velhos e cativos conhecidos da turma 54, 64, 74, 84... Bom, qualquer ave estranha no ninho logo era atraída por uma versão minha das mais simpáticas e carismáticas; a mesma que em alguns minutos pode vir a se tornar meio chata e até inoportuna (a Anna adora me advertir quanto a isso...). Enfim, tudo isso para dizer que finais de janeiro sempre foram um pouco melancólicos com repetidos saldos calculados entre as expectativas e as conquistas dos últimos anos. Esse não está sendo diferente, incluindo uma dose de pirraça comigo mesma por notar que meus avanços (sim, consigo percebê-los, embora seja um tanto complicado mensurá-los) aportam sempre com alguns anos de retardo. E eis que surgem aquelas ínguas irritantes em forma de perguntas: Por que eu não fiz isso quando eu tinha 10 anos? Passam os anos e só o que mudam são os dígitos... Por que não aos 14, 15, 18, 20, 22... A lógica processual do amadurecimento me inerva e me coloca sempre disposta a “recuperar o tempo perdido”.



Recuperar a dívida com a literatura! Recuperar a dívida com os clássicos do cinema, da arte, da História, da cultura nacional! Aprender mais sobre jazz, blues e afins! Ler, ler, ler! Recuperar minha dívida com as atividades físicas: mens sana in corpore sano. Amém! Recuperar minha dívida com os conhecimentos atuais. O mundo gira, minha filha! Ah! Já ia me esquecendo da dívida com o futuro! Rá! Um mundo de coisas e dois braços que parecem encurtar enquanto vejo distâncias alimentadas com fermento e tônico.

É curioso que no meio desse turbilhão de dívidas imaginárias eu me torne uma credora de mim mesma e esteja prestes a declarar moratória por uma simples pedra no meio do caminho. Eis que a pausa se impõe. Há uma pedra no meio do pescoço, no meio do pescoço há uma pedra... Na altura da glândula que comanda uma produção hormonal em série, hereditariamente comprometida. Essa glândula desponta como a credora que se opõe a minha ânsia por controle do tempo que o tempo precisa para passar e fazer amadurecer.

sábado, janeiro 05, 2008

O caminho da roça...


Ao norte do estado do Rio de Janeiro, Minas. Muriaé, a uma distância de 21 km do asfalto, segundo rumores bastante confiáveis.
A beleza de alguns espaços fotos não são capazes de registrar e palavras deixam muito a desejar...
O lugar é daqueles que o som dos bichos é despertador, rede é balanço e terra é provedora direta e sem agrotóxicos.
As pessoas se esbarram com um "Tarrde" bem puxado e simpático... Isso se é tarde. "Dia" se for hora de "bom dia". E "Ôpa" se for de ôpa.
Vaca tem apelido carinhoso: Pretinha, Carmesina, Mascarada. E algumas parecem mesmo aquelas que vemos nas caixinhas do leite industrializado.
Seu Enésio, morador antigo, reclama das artimanhas fabris que elevam o preço do leite retirado por ele e outros cooperativados direto da fonte. O homem passa dos 70 e tem catarata nos olhos azuis como o céu, que faz fronteira com as serrinhas verdes daquelas bandas. Desconhece o poder inflacionante do sujeito chamado atravessador.
A vista de pouco alcance é compensada pelo que sua memória lhe informa... O campo está esvaziado...
Êxodo e cercas figuram a paisagem de hoje. Além das botas de cano alto daqueles que despertam antes do galo para testar a máxima metropolitana "em se plantando tudo dá".