quinta-feira, maio 26, 2005

No ponto de ônibus

A chuva. Um fenômeno interessante, mas até na música transparece seu caráter incômodo:

“Gotas de água da chuva, tão tristes, são lágrimas na inundação /Águas que movem moinhos são as mesmas águas que encharcam o chão / E sempre voltam humildes pro fundo da terra, pro fundo da terra / Terra, planeta água”

Malu, que sempre gostou de imaginar a água “voltando humilde pro fundo da terra”, vê nesta cidade impermeavelmente asfaltada em que vive, a água ter seu percurso um pouco desviado; o que a obriga a também desviar o seu.

Eis que ela saiu pedalando, andou pelo quarteirão, virou na primeira à esquerda, seguiu em frente, parou no sinal. Pingo. Abriu o sinal e Malu continuou. Foi pedalando, disputando espaço com os carros, cabelos ao vento e... Outro pingo.

Depois três, quatro, cinco... Incontáveis pingos.


Agora, Malu está ‘ilhada’. Viagem interrompida. Ela e sua bicicleta esperam a chuva parar, abrigadas sob uma marquise, num ponto de ônibus desses que tem um banquinho para quem espera por um número, um nome, um destino. Dessa espera a imaginação e as palavras vão brotando...

Ponto de ônibus

Vamos colocar os pontos nos “is”!
Insípida água que tudo molha,
Vá insistir sobre outra pedra
Sua moleza não me demove
Sua persistência não me comove.

Água inodora,
Não me interessa de que fonte saiu
Pouco sei como aqui chegou
Mas peço que já vá embora

Saia por onde entrou

Vá pingar em outra freguesia
Vá erodir outra superfície
Se não se importa, cheguei primeiro

Janeiro já passou
Já fechaste o verão
Trate de evadir-se
Procure outra diversão

Não fosse sua presença irritante
Este jovem ao meu lado
Me passaria um galanteio
Me pagaria um sorvete
Me chamaria para um passeio

Mas ninguém fica à rua
Se o clima está feio
Porque ser muro
Quando podes ser esteio?

Estou neste ponto
Esperando você passar
Mas se passar do ponto
Não haverá jovem
Não haverá galanteio,
Sorvete, esteio
Nem história para contar.

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