quinta-feira, outubro 11, 2007

Gramsci e a manicure

Enquanto entregou as unhas, lia algumas páginas do Intelectuais e a Organização da Cultura. A manicure, dedicada à tarefa orgânica de cuidar de seus quatro filhos e marido, seguia em silêncio. Uma com seu livro e a outra em seu sua tesoura, lixa e alicate. Uma com o livro que tomara emprestado do professor da faculdade. A outra com seus próprios meios de produção.

Lá pela metade da cutícula do mindinho da mão esquerda, a manicure já sentia falta do diálogo, sempre tão farto entre ela e suas clientes. Sem conter a língüa, disparou sem piedade sua pergunta, antes de aplicar uma dose sequer de anestesia. Como se arrancasse um bife daqueles enormes, lançou:


- Este livro responde as tuas perguntas?!
Pergunta pontuda! Estavam bem afiadas as ferramentas da manicure!
O silêncio permaneceu. Não se ouviu nem ao menos um "ai".

Ainda assim, um pensamento mudo ousou desafiar lixa, tesoura e alicate:
"Essas manicures estão cada dia mais abusadas!"


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