O tempo, minha amada, é castigo para quem vive do presente. Mas o castigo é ainda maior para quem não tem o presente.
Você ficou 25 anos assim, sem o dia pós dia. Hoje, quando você acordou, me coloquei no seu lugar. Os olhos girando para todos os lados, em busca de uma referência que te prendesse a esse novo presente. Uma referência que a fizesse perceber que o tempo de abstração involuntária perante o mundo realmente chegara ao fim. Acho que me decepcionaria. Os seus sonhos deviam se passar em um tempo onde as coisas eram mais simples.
Olhando nos meus olhos, você finalmente percebeu que, lá no fundo, apesar da confusão gerada pelos pêlos na face, pelas leves rugas nos cantos dos olhos, pelo cabelo desgrenhado com as marcas das preocupações colecionadas ao longo de mais de duas décadas, eu era aquele seu amigo de outrora. Espero que acredite em tudo que vou te contar a partir de agora.
Em 1984, quando você adormeceu, a lógica do big brother, fundada pelo Orwell, era mais amena. Hoje virou programa de televisão, virou doutrina estabelecida na maior nação do mundo. Virou CPI, virou paranóia nos celulares (não sabe o que é isso, né? Depois te explico isso e a Internet, com aulas práticas...) de quem tem algo a dever à sociedade.
Minha amada, naquela época ainda lutávamos contra o que restava de um autoritarismo institucional. Nossa vitória não veio no primeiro momento. As instituições ainda conseguiram derrotar a maior das instituições - o povo - uma vez mais. Mas elas trataram de amenizar a própria estupidez e nos permitiram, cinco anos depois, que escolhêssemos um presidente.
Ah, presidentes... Esses foram destaque. Você não sabe, mas há duas semanas um negro, com descendência muçulmana e africana, assumiu o governo dos Estados Unidos da América. Sim, Ronald Reagan, o bonitão de Hollywood, ficou restrito aos livros de história. O nome do negro é Barack Hussein Obama. Nada hollywoodiano, hã?
Se você já está supresa, deite-se novamente. Nosso primeiro presidente eleito pela vontade do povo foi um bonitão, promissor. Fernando Collor de Mello. Você acredita que ele não durou nem dois anos no cargo? Foi derrubado. Calma! Não foi golpe. Dessa vez, as instituições cumpriram a "vontade do povo". Depois do autoritarismo, seguia uma era de corrupção. A sigla CPI virou moda no Brasil. Comissão Parlamentar de Inquérito. Deputados e senadores investigando até mesmo seus pares e outros figurões do governo.
Pois muito que bem. Tivemos um presidente tampão, cuja ação mais famosa foi reativar a linha de produção dos Fuscas no Brasil. Em seguida, um outro presidente, muito conhecido seu, assumiu. Lembra dele? O Fernando Henrique Cardoso, o sociólogo, que falava sobre a dependência externa brasileira. Pois o sujeito privatizou quase tudo no Brasil. Sabe o que é privatizar? Vendeu as empresas estatais. O Estado, o famoso Estado, foi se encolhendo.
Mas, há quase sete anos, o Brasil teve o seu Barack Obama. Elegemos um torneiro-mecânico, sem instrução, presidente. Mais um daquela nossa época. O Lula! Sim, o sindicalista! Ele é o presidente do Brasil!
Mas, calma... O Brasil não virou mais um aliado do Kremlin no quintal dos Estados Unidos. O Kremlin não é mais o mesmo. A União Soviética acabou. O comunismo perdeu. Lula, o radical, hoje veste ternos de primeira linha, tem cabelos brancos e barba bem aparada. Um gentleman do povo.
Bom, sobre guerras, mortes e intolerâncias, te falo mais tarde. Você ainda está muito fragilizada para ouvir tudo isso. Mas, saiba logo: o mundo continua não sendo um lugar muito simples para viver. Mas ficar de olhos fechados é muito desperdício diante de tantas novidades, não acha?
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