domingo, maio 20, 2007

O Velho

Passava quase pela Rua da Lapa, ali próximo a Passeio Público que às vezes me parece tão deslocado em meio a uma paisagem de altos prédios e passos apressados. Quem afinal passeia por ali? Eu tampouco. Estava com pressa, como sempre. A pontualidade me dói no calcanhar. E mesmo advertida quanto ao péssimo cartão de visita que um atraso pode significar, é mais forte que eu – justifico. Correndo, atrasada para aquela reunião marcada e remarcada tantas vezes, olhei de relance alguém conhecido. Na verdade, era um nome, dois. Mesmo empurrada pelo ponteiro do relógio me permiti uma parada rápida, como se desejasse cumprimentar um conhecido. Era quase isso. O vi em meio a tantos outros, igualmente empoeirados, igualmente barateados. Mas por conhecê-lo, por ter ouvido a respeito das horas de sono mal dormidas, do stress, das revisões e re-revisões, da exaustiva – embora certamente prazerosa – pesquisa, enfim do sangue, suor e lágrimas derramados para que ele existisse... Lamentei profundamente ver aquele conhecido naquela condição. Desvalorizado, velho, gasto, vulnerável à ignorância de alguém que, ao adquiri-lo, não soubesse dar-lhe o verdadeiro valor. Peguei-o em minhas mãos. Rapidamente o devolvi ao mesmo lugar. Prossegui caminhando a passos largos e corridos, tentando superar-me a cada metro. Pensei como era injusto que o que acabava de ver. O Velho ali largado, como algo velho realmente. Quem seria capaz, que alma insensível buscaria se desfazer de tanta Graça? Quanto recebera para cometer tal crime?
Na volta, percorrendo o mesmo caminho, notei que ele dividia o espaço com Lima Barreto, José de Alencar, Isabel Allende e tantos outros nomes que, não fosse a minha nova percepção do quadro que via, mereceriam a mesma preocupação inicial. Com outros olhos, percebi que aqueles senhores dispostos haviam escapado do asilo que são as prateleiras empoeiradas e a prisão de bibliotecas fechadas e tão pouco acessíveis. Ali, não estavam vulneráveis como imaginei à primeira vista. Eram jovens senhores se exibindo, quem sabe, para jovens olhares, para olhares menos favorecidos. Talvez, imaginei, até instigasse olhares analfabetos ou iletrados a saírem da cegueira das letras e atravessarem para o mundo da leitura. Ali, eram todos militantes, lutando passivamente pela causa da democratização do conhecimento. Suas páginas amarelas já não serviam para o gosto de quem conseguira alguns trocados vendendo-os ao ambulante. Contudo, alguém se encantaria com a beleza da velhice que chegara para aqueles senhores, tal como para o Velho Graça, de Denis de Moraes.

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