segunda-feira, julho 31, 2006

Entre a cruz e a espada - O imigrante

Lisboa - Portugal
"Ao infante D. Henrique e aos portugueses que descobriram os caminhos do mar"


Um brasileiro de Tocantins/Palmas buscou melhorar de vida em solo português. A esposa enviou os euros para passagem depois de trabalhar por uns seis meses como babá. O imigrante não teria coragem para ser o primeiro a se aventurar. Além disso, parece que é mais fácil para as mulheres driblar o pessoal da imigração.

Hoje, lá se vão quatro anos... Os dois enteados do imigrante (um deles recém-chegado) moram com ele, a mulher e a filha de 16 anos em um apartamento próximo à Praça das Nações, Lisboa.

Quem divide o espaço divide também as despesas. Todos trabalham, até a filha do imigrante, futura médica e atual garçonete no restaurante onde a mãe é chefe de cozinha. Aprender um pouco da culinária portuguesa deu resultado!

O imigrante que começou lavando carros hoje se orgulha por não colocar "um dedo na água". Foi promovido ao posto de recepcionista. Em sua matématica, quem chega para trabalhar em Portugal, como ele e outros milhares de brasileiros têm feito, pode começar ganhando 600 euros, economizar 400 e viver "bem" com os 200 restantes.

- Mas tem que querer trabalhar! - reforça o imigrante, que antes de redescobrir "os caminhos do mar" e se aventurar em Portugal ganhava inconstantes R$ 800 em "bicos" ocasionais.

Quando encontrei o imigrante na Praça das Nações, em Lisboa, ele havia acabado de buscar o mais novo dos enteados no aeroporto. O jovem de 20 anos curtia as primeiras horas respirando mais tranqüilamente o ar europeu. Com a carta-convite da mãe, chegou até Lisboa, mas não antes de ser interrogado, questionado e pressionado por cerca de duas horas. A conexão em Paris foi árdua!

Não bastasse ter que encontrar o portão de embarque dentro do Charles de Gaule (um caranguejo enorme!), ainda teve que justificar o motivo de sua viagem para um indivíduo que só falava francês.

O jovem imigrante sequer sabia arriscar um "Je ne parle pas français". Seus gestos tampouco indicavam o que ele pretendia, pois o francês se irritava ainda mais quando ele tentava mostrar com as mãos que não entendia nada do que estava sendo dito. Enfim, eis que chega "ela", linda, salvadora... A tradutora!

-Fui levado para delegacia.

- Não é delegacia, é a alfândega.

É o irmão mais velho quem corrige o jovem imigrante. Com dois anos a mais, gel no cabelo e corpo malhado o sotaque já não parece tanto com o do irmão mais novo, que puxa os "RR" e abusa das gírias oriundas da região do grande Araguaia.

E o imigrante, padrasto dos dois irmãos, olha o rio Tejo e deixa escapulir uma pontinha de saudade. Lembra do velho Araguaia...

Quatro anos depois de pisar em Portugal, ele planeja a volta para casa. Já comprou duas garrafas de wisky enormes, mas só para enfeitar o bar que vai construir em casa. Um antigo sonho de consumo.

Volta para Tocantins alguns euros mais rico, deixando a ex-metrópole para trás. Enviar o dinheiro para a terra natal nem lhe custa muito.

Os enteados ficam. Ainda há muito que explorar nesta terra de D. Henrique. Vindos de além-mar, eles colonizam os ex-colonizadores, esticam a bandeira verde e amarela na janela, conquistam postos de trabalho e só perdem para os angolanos.

- Esses caras ganham muito dinheiro por aqui - observa o imigrante olhando um homem alto, forte e negro que faz seu cooper à beira do Tejo. O imigrante sugere que os negros têm mais resistência para o trabalho pesado. Como se nascessem para isso...

E deu no jornal:

- São 250 mil brasileiros trabalhando em Portugal.

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