segunda-feira, agosto 15, 2005

Estado onírico

Há quanto tempo seus pés não recebiam uma boa esfregada! Amassados dentro do tênis ou esparramados na sandália, os dedos acumulavam aquela sujeira preta que se acomoda dentro das unhas. A escova estava escura e a água que escorria formando um pequeno lamaçal em volta do banheiro improvisado era da mesma tonalidade.
Malu soltou os cabelos - já na hora de aparar - e aos poucos, bem aos poucos já que o chuveiro retardava o processo, ela foi sentindo o cabelo sendo encharcado.Gélida, a água parecia penetrar em sua cabeça, esfriando seu cérebro, tranqüilizando-a até se sentir alcançar uma outra dimensão, aquela para onde vão os contemplados que conseguem superar anseios e frustrações; ela viajou. Pensou nos próximos lugares que conheceria, pensou em tudo que havia passado, lembrou de sua bicicleta, mas não lamentou, não se inquietou, apenas percorria serena pelos limiares da consciência. Chegava a cantarolar... Era uma melodia que em nada combinava com o lugar, denunciando seu distanciamento.
De repente, um barulho a despertou de seu estado quase onírico. Aliás, sei que a história não é minha e que sou uma mera narradora, mas me veio uma idéia, que preciso expor. Seria a palavra “onírico” da mesma família que “ônus”? Já imagino a professora de latim: “Onírico vem do latim: “ônus”, que significa “aquilo que resulta em perda”.” (Reviravolta na academia! E no Olimpo!) Ainda que pareça uma conjectura absurda, chego a pensar que há um certo sentido. Vejam: quando sonhamos nos tornamos mais vulneráveis, não? E assim mais propícios para cairmos no conto de um vigário mal intencionado. As expectativas ou projeções, disse-me certa vez um amigo, são armadilhas, nas quais só caem os apaixonados e os estatísticos.

Voltando à história... Malu reconhecera aquele chacoalhar. E este se aproximava cada vez mais. Em tempo, o canivete estava na mão esquerda. A direita garantia que a toalha permanece enrolada ao corpo, desnudo e molhado. Enfim, o presente de seu pai serviria para algo além de descascar frutas.

Devo confessar que essa história de onírico me deixou com sono. Vou dormir um pouco. Mas tomarei o devido cuidado para não sonhar. (Como se pudéssemos evitar...)

7 comentários:

Anônimo disse...

Ih, tá ficando perigoso...

Anônimo disse...

Wow! Este Sr. Onirico deve pegar mais leve....hahahaha

Anônimo disse...

Boa analogia...mas qual será o ônus de sonhar? Se sonhamos todos os dias pagamos às prestações?

Anônimo disse...

Êta inspiração boa! Tá começando a esquentar...
Muito bom o post. ´
Aguardo o próximo. mas vê se não demora muito, como certas pessoas.

Anônimo disse...

Malu, capa o sem-vergonha!

Anônimo disse...

De fato, o termo "onírico", segundo o poeta Glauco, significa que o ethos foi onerado de racionalidade para ceder à paixão. Daí, segue a famosa analogia da tecelã de Leucona, que, dotada de fabulosa inteligência e rara beleza, fazendo Apolo e Dioniso apaixonarem-se. Diante do triângulo, a solução oferecida pela moça é: seus dias são de Apolo; as noites, de Dioniso (Sol; Luz; Razão versus Lua; Noite; Paixão).

Para evitar a imprecisão, é preciso diferenciar os termos "onírico" e "bonírico". Mas isso fica para o módulo II.

fitomaia. disse...

e aí, sonhou?

quanto às expectativas como armadilhas, concordo! palavra de apaixonado.

está linkada no PQP!

passe lá pra conferir.

bjos!