quarta-feira, setembro 14, 2005

Infinito

“Você tem medo de descobrir que você não é apenas esse personagem casto que você criou?”

Malu nunca achou que tivesse vocação para a castidade, pelo contrário.
Mas ao ouvir essa frase sentiu como se as palavras formassem um todo, um sólido, pesado, feito única e exclusivamente para ela. As palavras se uniram, cristalizadas em uma só e esta se repetia em sua cabeça.

As últimas experiências, quase traumáticas, fariam com que Malu se questionasse quanto a alguns “tabus” e aquelas palavras ecoaram em seus ouvidos: “Personagem casto”, “Você tem medo”, “Você não é apenas esse personagem...”

Quem as proferiu não merecia crédito algum. Fora derrotado já no segundo round. Contudo, suas palavras, ditas em pleno ringue - poderia ser um ringue de amor, mas não - soaram estranhas aos seus ouvidos. Claro, que não duvidava de que fizera o certo ao repelir aquele ser asqueroso que avançara em seus cabelos, puxando-a para si como o jogador viciado que sente o cheiro da sorte, aposta e raspa a mesa repleta de moedas na primeira rodada de pôquer. Mal sabe que esta é só para animá-lo a lances mais altos.
Quanto maior o vôo, maior a queda. Novamente volto às expectativas. Ou são elas que se voltam contra mim. “Só não quero que você tenha expectativas”. Como me pedem um absurdo desses?! Como ousam contrariar minha natureza: ansiar, aspirar, ambicionar expectante... Ah! Acabo de lembrar! Ouvi que em todas as línguas a palavra “noite” seria a união de n+oito. Bom, a explicação é interessante e até comporta a mudança do “o” pelo “e”. Afinal, não teria cabimento se chamássemos “noito” a cada vez que o sol brigasse com um lado da terra iluminando só o outro.
Que seja noite (com "e")! Ainda assim, vale a observação: night = n+eight (sem o “e”); noche = n+oche (ou ocho, que seja!). Forcemos a coincidência e eis que a palavra noite se revela como constituída pelo número 8 ou ∞, que significa o infinito. De fato, a noite e o infinito são parentes. Quem já não passou por uma noite interminável? Ou quem nunca olhou para uma noite em especial e pensou que esta bem poderia ser infinita? Noite, oite, oito, infinito, infinoito infinoite. Que viagem! Inspirada pelo significado dos números, talvez depois eu fale do “0” à esquerda.

Bom, quanto à viagem de Malu, um simples pernoite (ou pernoito) causou um rebuliço em sua cabeça. Isso porque as palavras do homem desprezível e repugnante ganharam vida própria e ainda a atormentam. Malu sequer festejou sua nova conquista. Na pressa de despedir-se de sua última parada, confiscou uma bicicleta que mais poderia ser uma ‘monocicleta’, dado o estado lamentável da roda traseira.

Novamente com seus cabelos ao vento, Malu prosseguiu pela estrada. Em seu rastro foram aquelas palavras ditas por um zero à esquerda em um momento que pareceu infinito: “Você tem medo de descobrir que você não é apenas esse personagem casto que você criou?”